Era sábado 8h da manhã. Frio de 12 graus em Campo Grande. O celular desperta e eu levanto ansiosa, tomo banho, escolho uma roupa e ao olhar para o relógio vejo que já são 8h30. Como não dirijo muito bem, e também não sabia ao certo o local, peguei o carro e com ajuda do GPS, segui em direção ao bairro Amambaí.
Estaciono em frente a uma casa de esquina de cercadinho branco. Era uma casinha de madeira, baixa, pintada na cor salmão, e com uma janela na cor vermelha na frente. Logo fui recepcionada pelo João Paulo, filho da nossa estrela. Em seguida, um cachorro de estatura média, preto, e muito gordo também veio ao meu encontro. Logo ouço a voz grave e rouca da minha entrevistada: “Sai Batoque! ”, e logo ela vem ao meu encontro e me convida a sentar. Ao ver a câmera logo diz: “o João Paulo disse que não teria foto. Não me arrumei. ” Eu digo para ela ficar tranquila com relação a isso.
Ela estava muito bonita, com um uma blusa azul cor de céu, um blazer vermelho por cima. Usava uma saia rodada branca, estampada com algumas flores de cor azul escura. No pescoço, um terço que parecia ser bem antigo, e brincos penduradinhos na cor azul combinando com a blusa. Na boca um batom vermelho, que se apagava com o sorriso acolhedor de Delinha.
Pergunto onde podemos conversar, ela diz que ali mesmo na varanda, e me diz para ficar à vontade. Era um lugar pequeno com uma mesa antiga, daquelas que tem o pé de alumínio, forrado com uma toalha bordada em ponto cruz.
Com um jeito meio seco me pergunta o que quero saber dela. Me apresento e falo sobre o meu trabalho, e assim que cito o Chamamé ela logo me diz que não faz Chamamé e sim Rasqueado. Nessa hora fiquei meio sem fala, mas logo me lembrei do meu primeiro entrevistado Evandro Higa, que me disse assim: “A Delinha vai falar para você que ela não faz Chamamé. Ela sempre diz que faz Rasqueado”. Minha consciência logo acusa: Aprenda a ouvir a voz da experiência!
Penso rápido, e meio que ignoro o que ouvi. Prossigo perguntando como eram os bailes, e as festas que ela e o Délio tocavam. Ela me diz que a maioria das festas aqui eram particulares, geralmente de chão batido, e que começavam às 6 da tarde e terminavam antes da meia noite.
Que as pessoas gostavam muito de dançar, que as moças iam acompanhadas do pai, e usavam vestidos ou saias rodadas e geralmente roupas bem coloridas. Logo que ela fala de pai, se emociona lembrando-se do seu, já falecido. Ela conta que o pai dela era muito rígido, bravo. Que não a deixava fazer nada, e que fez ela se casar aos 21 anos com seu primo “Zezinho” conhecido como Délio. Logo fala novamente sobre as roupas da época, que acostumou e usa até hoje, e diz em tom brincalhão que quando ela morrer, não sabe o que farão com as saias rodadas dela, pois deve ser a única pessoa que usa esse tipo de roupa até hoje.
Até esse momento as falas dela são bem curtas, e quase não respondia ao que eu perguntava, porque acabava entrando em outra história. O celular dela toca umas 4 vezes durante a entrevista, porém procuro deixá-la à vontade na tentativa de conquistar sua confiança. Enquanto ela atende um dos telefonemas, logo me recordo de um dos livros de preparação para o tcc que orientava da seguinte forma: “peça ao entrevistado fotos e arquivos que o façam se recordar de histórias”.
Assim que ela desliga, pergunto se existem fotos da época em que cantava, e que ela possa me mostrar. Ela diz que naquela época quase não tiravam fotos, mas que têm algumas. Adentra uma das portinhas que a varanda simples e estreita dá acesso, e logo retorna com um álbum e algumas outras fotografias na outra mão.
Me apresenta foto por foto, e consequentemente me fala das pessoas que aparecem nelas. Dela, tem fotografia desde 1 aninho de idade. Em todos os arquivos, num cantinho escrito em caneta a idade que ela tinha na época em que a fotografia foi tirada. Em algumas havia anotação na parte de trás, contendo os nomes das pessoas e qual era o motivo da festa. Bastou começar a falar das fotos para nossa rainha da musica regional começar a abrir um largo sorriso acompanhado de gostosas gargalhadas.
Por vezes, se emociona ao falar da alegria de Jairo, seu segundo marido. E ao falar de seu falecido pai. Entre as fotografias que estavam fora do álbum, ela encontra um papel, já amarelado do tempo. Quando abre ela fica surpresa, e me conta que aquele papel se trata de uma composição de 1981, dela com Jairo, intitulada “O céu e as estrelas”. Em poucas fotos
nos tornamos “amigas” e algumas vezes ela me pedia para desligar o gravador a fim de me confidenciar algo de sua história.
Finalizamos a entrevista e ela me convida a entrar na “velha casinha”. Rapidamente deixo minhas coisas em cima da mesa, juntamente com os CDs e o livro de biografia dela que ganhei, e sigo com ela em direção a cozinha. Passo por uma salinha, e logo adentro a cozinha. Extremamente limpa e organizada. Prateleirinhas de madeira organizam os pratos, copos e panelas. Uma mesa simples de madeira com cadeiras em volta é um convite a sentar na aconchegante cozinha.
Ela diz para eu experimentar o pastel, e me oferece novamente seu delicioso café, enquanto começa a fritar o alho pra fazer o arroz. “Almoça aqui com a gente? O arroz já vai ficar pronto”. Bem que eu gostaria, mas infelizmente eu tinha outro compromisso. Ela dá risada e me conta que almoça todo dia às 10h30. Dou razão a ela, pois quem acorda às 4 da manhã já está com fome às 10h. Em tom animado, me diz que não cozinha bem. Mas conta histórias de gente que ama a almôndega que ela faz, e o outro que gosta do feijão, que o netinho ama a carne moída. Eu amei o pastel, o café e a conversa!
Ela sai comigo até o portão e não pára de me contar histórias do ex-marido Jairo. Foram muitas confidências. E por alguns instantes me senti amiga daquela artista que eu sempre admirei. Foi difícil ir embora, mas fui com o coração alegre por ter começado tão bem o meu final de semana. De forma animada e descontraída encerramos a manhã deliciosa, da qual jamais vou me esquecer!
Comentários
Postar um comentário