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Gaitas e Prosa


Consegui o contato dele através da filha Marlucy. Liguei no início da tarde e ele prontamente atendeu, mas senti sua preocupação com relação a casa simples. “Minha casa é simples, tem dois cômodos apenas, eu moro sozinho, e estou mexendo com a oficina, então se vier não vai reparar.” Eu disse que não tinha problema não, que só ficaria lá por 20 minutos. Ele topou. Marcamos para as 18h do mesmo dia (13/10).
Enquanto eu procurava a casa, andando com o carro devagar, noto um senhor indo a pé com uma sacolinha de supermercado, e falando ao telefone “o pessoal da imprensa ta vindo aqui em casa” falava pra pessoa do outro lado da linha.
Estacionei, e cheguei praticamente junto no portão da casinha escura e cheia de gatos. Ele abiu o portão e novamente foi pedindo pra não reparar dele. Falou que tinha 5 gatinhos mais a mãe, que ele tinha dó de dar e ficou com todos. Contou que aproveitou que avisei q iria atrasar e foi comprar um refrigerante pra servir.
Na calcada bem perto da portinha de entrada já tinham 3 cadeiras, e ele me convida a sentar e pergunta se ali está bom. Apesar do barulho de caminhão, carro e moto que vem da rua, digo que está ótimo, deduzindo que ele estaria com vergonha de me convidar a entrar.
Iniciamos a entrevista e ele logo diz que nasceu em 01 de fevereiro de 1942, e  começa a contar sua historia de vida e com a musica. Disse que toca desde os 6 anos, que aprendeu primeiro a tocar gaitinha de boca com a mãe que tocava violino. Disse que pegou o jeito do instrumento, e depois que a mãe faleceu, ele foi adotado pela tia avó. Como a sanfona custava muito caro, e só muito tempo depois ele conseguiu comprar uma. Contou que se formou na escola da vida, e que sozinho desenvolveu o dom. Disse que depois de adulto que pode comprar um acordeom e foi pegando jeito sozinho, tocando de ouvido. Tempos depois ele teve oportunidade de morar com o maestro João Correa, e estudou música na Fila Harmonica Vila Lobos. Mesmo que eu fizesse a pergunta objetivando a resposta que eu precisava, entendi que ele era aquele tipo de entrevistado que não tem como “guiar” o jeito era esperar a hora de ele dizer o que eu precisava e depois editar. Como não havia mesa para que eu pudesse deixar o gravador em cima e enquanto isso ir fazendo as anotações fiquei apenas segurando o gravador bem perto dele para que pudesse captar o melhor som naquela situação.
Os gatinhos e a gata mãe ficaram todos em volta, e ele pegou um borrifador com água e enquanto conversávamos, tentava espantá-los se muito sucesso. Contou sobre sua trajetória na música, que era amigo de Zé Correa, que viajou para Corrientes, e que não era uma viagem barata então ele fazia de tudo para juntar dinheiro para essas viagens. Lá fez amizade e acabou virando compadre de Coquimarola, filho do rei do chamamé no mundo Transito Cocomarola.
Aos poucos ele vai se soltando e me convida a entrar na casinha de dois cômodos. Fico surpresa quando vejo que é uma oficina de gaita. Misturada com materiais de marcenaria, violões, bandoneons, fogão e pia.  Ele ainda se explica e diz que deu uma organizada pra me esperar. Ele me mostra troféus, diplomas, fotos e recortes de jornal. Alguns bem deteriorados com o tempo. Tinha um recorte, com foto dele e de Coquimarola, em um jornal de Corrientes no ano de 1980. Ele revira os guardados com objetivo de localizar uma foto de Mercedita. Ela mesma, a mercedita da música. Infelizmente não localiza, mas me conta a história da composição que é um clássico do chamamé.
Ele fica tão a vontade que nos convida a entrar em outro cômodo. O que era pra ser o quarto dele tinha caixas armários com muitas outras sanfonas. Sem brincadeira, devia ter fácil, umas 30 sanfonas ali naquela simples casa de dois cômodos. Ao lado da cama a case da sanfona de shows de Elinho, a predileta. Ele tira e toca uma Mercedita estilizada.
O que mais me impressionou foi a paixão dele por Cocomarola. Não sei se vocês irão acreditar, mas além de ele ter mandado fazer e ter levado daqui de Campo Grande no ano de 1982 uma placa de bronze para colocar no tumulo de Cocomarola como uma forma de levar o Mato Grosso do Sul até Corrientes. “Particularmente o meu pensamento era fazer isso em nome do meu povo, em nome do meu Estado, acercar Corrientes do MS”. E ele ainda conquistou da viúva o direito de ter uma chave do tumulo. Isso mesmo! Ele tem uma cópia da chave do tumulo do ídolo do chamamé, e a exibe todo contente.
Cada vez mais ele quer mostrar coisas, e contar mais histórias. Porém eu precisava ir embora, e com muito custo consegui me despedir dele agradecendo a gentileza.


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